sobre o convexo...

Postado por Abaixo do Radar , sábado, 1 de fevereiro de 2014 21:27

"Like a song, it will fade..." (Jamie Cullum)

Aquelas palavras ao vento, no tempo se perderiam. Acreditou. Descontínuas, desconexas, foram aos poucos se moldando e mostrando convexas. No constructo desconstruído do que foi dito, surgira um confuso querer.

A flecha que vai faz falta, se perde, esvai e não volta. Percebeu. Sem mira, sem treino, o vento ao alvo levou. Já havia outro dardo no ponto em que aquele raspou. Perdido e encontrado no tiro, aquele também acertou.

O caminho que leva ao desejo, pelo purgatório passou. Viveu. Costurado, marcado, o peito aberto rompeu. Com o beijo molhado e acariciando aquele corpo macio, seu olho fechou. E os minutos fugiam depressa, quando o relógio parou.

Como o sol que varreu a chuva, um novo ciclo chegou. Previu. Descuidado, disperso, enfim no espelho um cara bacana notou. Não sabendo o certo ou incerto, decidiu deixar tudo isso guardado quando o voo levantou.    


*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.

sobre o trem...

Postado por Abaixo do Radar , terça-feira, 28 de janeiro de 2014 20:13

                                                    
"I’ve tried to cut these corners, try to take the easy way out..." (Imagine Dragons)

No vai e vem das pessoas na antiga estação, o tempo corre, ele também. Sorriso, gentileza, carimbo, embarque. O trem parte e não pode parar. Desliza faminto sobre os trilhos, para mergulhar rumo ao seu destino.

Era guiado pela ferrovia e pelos seus pensamentos. Na memória, todos os caminhos e belos detalhes que seus olhos viram. Na imaginação, tudo o que ainda viria. E no coração, sem um mapa, sobraram orações e as peças de um quebra-cabeça.

Sim, há luz no fim do túnel. Caminhou sozinho por novas ruas. Respirou o ar multicultural de um lugar que sempre sonhou. No vermelho e no preto, uma fusão de sentimentos. E nas gotas da chuva fina, uma fiel companhia.

Tentava desviar seu olhar de cada belo casarão vitoriano. Mas deixou que o trem e a cidade fizessem sua parte. Sabia que essas variáveis, assim como aquela, fugiriam ao seu controle. E no fim do dia lembrou-se que sobre o que não se sabe falar, apenas se escreve.


*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.

sobre os caminhos...

Postado por Abaixo do Radar , sexta-feira, 24 de janeiro de 2014 23:42


"In the land, cold and wet, is a hope and a threat..." (All Mankind)

Seguia suavemente deslizando por cada uma das sinuosas curvas daquela estrada escura. As poucas luzes que via, o convidavam a imaginar o que havia pela frente. Era inverno, mas ele sabia que a primavera logo viria.

Com um mapa antigo, tentava encontrar o caminho a seguir. Entre estradas estreitas, vilarejos e campos, refletia sobre as coisas que deixou para trás. Seguiu sem marcar o tempo, a velocidade e o motivo. Apenas seguiu.

Tentou não pensar muito além do hoje. Seus olhos já entregavam o cansaço, mas sentia que o tempo lhe seria justo. Chegou ao seu destino. Projetou cenários imaginários em fotografias vazias, mas se atentou à beleza de cada detalhe.

Arriscou palavras que não sabia dizer. Provocou novos sorrisos com a mesma intensidade que provou novos sabores. Adorava se encontrar no mundo, mas também gostou de se perder. E tinha certeza de que já tinha se perdido no lugar de onde partiu.


*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.

sobre as mentiras...

Postado por Abaixo do Radar , quinta-feira, 11 de julho de 2013 22:23

“And as the surface breaks, reflections fade…” (Jack Johnson)

Sentou-se sozinho mais uma vez. Em frente àquela mesa, apenas um copo d’água e um bloco de notas. Tirou do bolso uma caneta antiga, que já ameaçava falhar. Tentou expressar duas doses de boas idéias, mas engasgava-se a cada palavra.

Tentado a percorrer caminhos difíceis, sua vida era uma feitoria de reviravoltas. Herdou, entre seus valores, uma fé que lhe sustentava a cada passo, apresentando razões para seguir e acreditar. Inexplicavelmente, sentia que poderia voar.

Guardava dentro de uma reluzente armadura, um coração nobre e punhado de bons sentimentos. Ingenuamente, escolhia sempre o caminho mais complexo para fazer suas escolhas. Ouvia tanto os outros, que se esquecia de si.

Em uma única linha, afirmou que as lágrimas existiriam enquanto as pessoas preferissem a segurança de uma grande mentira ao arriscado apego em uma pequena e honesta verdade. E mesmo com todos os motivos para desanimar, construiu um sorriso com o resto da tinta que escorria pelo papel.


*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.


sobre o laisser-sentir...

Postado por Abaixo do Radar , domingo, 10 de março de 2013 19:10

No paradigma valorativo da Pátria Amada, o inconsciente coletivo modelado pelos meios de comunicação de massa e seus i-artefatos é guiado em irônica descendente, rumo à nulidade criativa do aparente – e temporário – vácuo intelectual.

Hoje, a condição sine qua non para a inserção social é o aceite passivo diante da dicotomia entre à dependência estimulada e o credo vigente no total desapego. Uma entressafra crítica, onde o homem pensou o mundo e esqueceu-se de si.

A todo canto leleks solitários, pálidos a bordo de seus camaros (nem sempre amarelos), combatem suas frustrações com ousadia e alegria (?), na mais pura filosofia pós-moderna do tanto faz, pois cada vez se quer mais.

Um verdadeiro state of the art hedonista que vocifera o laissez-faire e, mesmo sem contestar, dissimula o laissez-sentir. O liberal se torna libertino, o tradicional vira ultraconservador e as referências se perdem progressivamente, em escalas moldadas ao bel-prazer individual.

Nessa total liquidez de valores, subjugam-se as minorias como desertores da carpediação. Tempos de uma inestimável riqueza tecnológica e de uma tenebrosa escassez de recursos, e de Humanos. Pobres tempos ricos.

sobre as laranjas...

Postado por Abaixo do Radar , terça-feira, 25 de setembro de 2012 00:42

"There are many things that I would like to say to you..." (Oasis)


Vivia um momento tenso, de uma apatia quase completa. Então, resolveu buscar respostas começando por onde acreditava ser mais sensato. Adentrou aquele ambiente, de maneira calma e discreta. Foi gradualmente girando o olhar, para que pudesse notar os detalhes de cada uma das pessoas ali presentes.

Em certo ponto, um estalo. No momento em que seus olhos a avistaram, sua intuição alertou do risco de problemas futuros. Conhecia tão bem o que lhe encantava que, mesmo esquivando, não conseguiu evitar a delicadeza daqueles traços. Sua avidez em experimentar e proporcionar, já sinalizava trabalhar questões que, há muito, havia se esquecido de viver.

Mas cada história é escrita a seu tempo. O relógio fez tic-tac, uma, duas, várias vezes. Lentamente deu tantas voltas, que ele já nem mais esperava. Então, tempos depois daquele grande hiato, quando até ele mesmo estava próximo de compreender o silêncio do seu eu, aquela voz sutilmente ecoou em seus ouvidos outra vez.

Aquele momento afetou tanto a sua percepção quanto os outros cinco sentidos. Em dois tempos ficou inebriado pela meiguice com que ela se expressava. Seus olhares já não conseguiam mais se camuflar entre uma ou duas frases trocadas. Sua bússola já não lhe apontava mais a direção, e sem saber que caminho seguir, apenas se deixou perder...


*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.

sobre as memórias...

Postado por Abaixo do Radar , quinta-feira, 13 de setembro de 2012 00:42

"This is real, this is as good as it gets..." (The Feelers)


Fechou os olhos. Mergulhou na imensidão das suas memórias em um labirinto de sensações, aqui indescritíveis. Voou para um lugar onde já tinha estado. Sentiu os cheiros, a brisa, a temperatura e apreciou o visual.

Sentou-se no cume do Monte Éden, ao lado da cratera daquele extinto vulcão. Lá do alto via todo aquele magnífico constructo de ruas e prédios com contornos de mar. O verde presente em cada esquina tornava quase visível a pureza do ar.

Seguiu seu caminho através das trilhas dos enormes parques, apreciando cada detalhe da natureza. A beleza das flores e plantas entorpecia o pulsar do seu coração. O vento Pacífico já não mais se aquietava e insistia em soprar mais e mais frio.

Finas gotas de chuva começavam a molhar seu rosto. Relaxado e feliz continuava caminhando e agradecendo a Deus por estar ali. Sim, os seus pensamentos conseguiram lhe conduzir a um estágio de paz. Momento que ele queria, apenas, viver.


*Da série Sobre: a vida, recortada em detalhes.